Este artigo pretende mostrar como se articulam o helenismo classicista e a reflexão sobre a poesia moderna na teoria estética de Schiller, com base em uma breve análise de alguns ensaios do autor, levando em conta comentários de E. M. Butler (A tirania da Grécia sobre a Alemanha) e Peter Szondi.
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Este artigo pretende mostrar como se articulam o helenismo classicista e a reflexão sobre a poesia moderna na teoria estética de Schiller, com base em uma breve análise de alguns ensaios do autor, levando em conta comentários de E. M. Butler (A tirania da Grécia sobre a Alemanha) e Peter Szondi.
Nos ensaios escritos entre 1791 e 1796, fica evidente o "antagonismo" do autor em relação às tendências nostálgicas do Classicismo. Depois dos anos dedicados aos estudos de Homero e dos tragediógrafos antigos, quando começa a desenvolver sua consideração de questões ligadas à tragédia, Schiller dá mais importância à dramaturgia moderna do que às peças gregas. Em "Acerca da razão por que nos entretêm assuntos trágicos" (1792), ele usa como exemplos especialmente personagens de Shakespeare e nem sequer menciona Eurípides, cujas peças tinha começado a traduzir alguns anos antes. Já "Sobre a arte trágica" (1792) contém uma crítica da tragédia grega por sua "cega sujeição ao destino", considerada "humilhante e ofensiva" para a liberdade humana, e um elogio da arte moderna, esclarecida pela filosofia kantiana e destinada a alcançar por isso uma altura cristalina da emoção trágica.3 3 SCHILLER. Sobre a arte trágica. In: Teoria da tragédia, p. 94-95. Schiller fala de uma "beleza excepcional na nossa Ifigênia alemã" e, de acordo com sua concepção da tragédia como expressão da liberdade, argumenta em favor da superioridade das peças modernas.
A defesa da superioridade da arte moderna poderia justificar o abandono do projeto de estudo dos antigos, iniciado em 1787 após a leitura da Ifigênia de Goethe, e o poema Os deuses gregos. No entanto, Schiller não só continuará a estudar os antigos e a buscar a definição de um ideal poético a partir desse estudo como demonstra a correspondência com Goethe , mas também participará ativamente do projeto classicista defendido, por exemplo, na revista Propileus. Assim, a relação do autor de Dom Carlos com a Grécia e com o Classicismo tem um caráter paradoxal, porque integra uma posição crítica, de defesa da arte moderna, a um reconhecimento da exemplaridade e da perfeição da arte antiga. Esse paradoxo só começa a ser esclarecido a partir da retomada da comparação entre antigos e modernos nas Cartas sobre a educação estética do homem (1795).
Na sexta carta do ensaio epistolar, o contraste entre a arte grega e a moderna não é apresentado em favor da humanidade mais recente, como no texto "Sobre a arte trágica". A "natureza grega", que "desposou toda a dignidade da arte e todos os encantos da sabedoria" aparece como ideal superior, nos moldes do Classicismo de Winckelmann, de quem o autor aproveita aliás a noção de "simplicidade". Schiller afirma:
Não é à toa que a obra citada como exemplo seja de Goethe, já que o ingênuo diz respeito no ensaio tanto ao "antigo", para caracterizar o mundo grego, quanto a vários autores modernos, entre os quais o autor do Werther é o ponto de referência fundamental. Assim, a nota de Schiller pretende esclarecer uma imprecisão terminológica que se evidencia ao longo do livro, composto pela reunião de três artigos publicados na revista As Horas, em 1795 e 1796, "Do ingênuo", "Os poetas sentimentais" e "Conclusão do ensaio sobre os poetas ingênuos e sentimentais". Ao indicar essa imprecisão, Szondi chega a falar de um "labirinto terminológico", no qual o conceito de ingênuo designa ora os objetos e as ações que despertam o interesse do homem moderno que contempla a natureza, ora a poesia de Goethe, ora a Antigüidade; enquanto o sentimental define a cultura moderna, mas também está presente como modo poético entre romanos e gregos. Szondi procura a saída desse labirinto por meio de uma reflexão sobre a dialética conceitual do tratado schilleriano. Seu primeiro passo é desvincular os conceitos de ingênuo e sentimental da associação direta aos conceitos de clássico e romântico elaborados no Romantismo, embora reconheça a influência de uma distinção sobre a outra.
No início de Poesia ingênua e sentimental, o ingênuo é definido em três níveis: o do objeto, o da maneira de agir e o da poesia. Assim, em primeiro lugar, trata-se do objeto ingênuo e do interesse que ele desperta "em nós", sendo a primeira pessoa do plural usada para caracterizar a perspectiva moderna chamada depois de sentimental. O autor constata "uma espécie de amor e comovente respeito à natureza", tanto no âmbito das coisas naturais, como plantas, animais, minerais e paisagens, quanto no da natureza humana, nas crianças, nos "costumes da gente do campo", no "mundo primitivo". Com esse último exemplo, começa a se delinear a questão histórica que será abordada mais adiante, já que Schiller parece igualar, no conceito de ingênuo, as paisagens naturais e os "monumentos de tempos antigos", ou os "produtos da Antigüidade remota". A definição do conceito de ingênuo tem como ponto de partida a constatação desse sentimento de amor e respeito que é despertado, no homem moderno refinado e sensível, quando ele é surpreendido pela visão da natureza simples em meio a relações e situações artificiais. Tal interesse ocorre apenas sob duas condições: a de que o objeto seja natureza e a de que ele seja ingênuo, isto é, a de que "a natureza esteja em contraste com a arte e a envergonhe".13 13 SCHILLER. Poesia ingênua e sentimental, p. 43.
Em um terceiro momento, o ensaio sobre o ingênuo volta-se para a questão da poesia, retomando à noção kantiana de gênio como alguém que não segue as regras da arte e, orientado pela natureza ou pelo instinto, seguindo inspirações e sentimentos, cria novas regras. E é na reflexão sobre o ingênuo na poesia que se evidencia, nessa primeira parte do livro, a questão dos antigos e dos modernos. Por trás dela se pode identificar uma retomada, em novo contexto, da defesa da arte moderna e da discussão sobre o modelo clássico, temas que definem a relação do autor com o Classicismo.
Para Schiller, os poetas ingênuos já não estão em seu lugar numa época artificial do mundo, como a moderna, por isso é a poesia sentimental que se impõe na modernidade a quem pretende realizar a tarefa de "guardião da natureza". Em outras palavras, mesmo na época do homem artificial, inserido na cultura que não tem mais naturalidade, é a natureza que alimenta o espírito poético, exigindo uma busca da harmonia perdida. Por isso, para que haja poesia, é preciso que a unidade e a relação de harmonia com a natureza identificada no modelo do passado humano apareçam como um ideal. Essa constatação de que o momento histórico se caracteriza pela artificialidade está na base tanto da comparação entre antigos e modernos, quanto da reflexão de Schiller sobre os modos poéticos existentes em sua época.
Os dois conceitos são definidos na primeira parte do ensaio um em função do outro, o que deixa clara a sua interdependência. O ingênuo só se revela como ingênuo aos olhos do homem moderno, isto é, sob a ótica do sentimental, que, justamente por sua condição artificial, se interessa pela natureza e ama a idéia exposta por objetos e ações naturais. Assim, o sentimental busca, por sua vez, exatamente o que o ingênuo é (natureza), assumindo como ideal aquilo que constitui no outro uma situação de fato. No resumo de sua argumentação, feita no que era originalmente o início do segundo artigo publicado em As Horas, Schiller afirma: "A natureza também agora é a única chama de que se alimenta o espírito poético; somente dela extrai todo o seu poder e somente para ela fala, mesmo no homem artificial inserido na cultura".16 16 SCHILLER. Poesia ingênua e sentimental, p. 60. Assim, se ingênuo e sentimental definem as épocas antiga e moderna, o fazem como modos característicos de se relacionar com a natureza.
Schiller não pretende defender a superioridade dos antigos, mas procura entender a questão da sua exemplaridade no contexto de uma justificativa da poesia moderna. Para ele, o interesse pela perfeição da Antigüidade pode muito bem levar a um elogio de sua arte em detrimento da arte moderna. "Por isso, ou não se deveria de modo algum comparar poetas antigos e modernos ingênuos e sentimentais , ou só se deveria compará-los sob um conceito mais alto comum a ambos", o conceito de poesia.18 18 Ibidem, p. 62. Nesse caso, o resultado da reflexão sobre antigos e modernos segundo os termos ingênuo e sentimental possibilita um questionamento do modelo antigo, sem levar a seu abandono. A cultura moderna não deve ser vista como inferior à antiga, mesmo que a tenha como modelo de perfeição e de harmonia, justamente porque restabelecer o padrão antigo, a forma antiga, não é o que ela busca.
Para Szondi, é como se Schiller quisesse "dar um fim às queixas e devaneios do promeneur solitaire [de Rousseau] e lhe pusesse nas mãos, em lugar do lenço molhado de lágrimas, um exemplar da Crítica da Razão prática".19 19 SZONDI. Antike und moderne in der Ästhetik der Goethezeit. In: Poetik und Geschichtsphilosophie I, p. 157. A mesma frase é usada no ensaio "Das Naive ist das Sentimentalische" ["O ingênuo é o sentimental"], em Schriften II,p. 75-76. É com base na filosofia de Kant que Schiller defende a cultura moderna, apesar de todas as suas falhas, em nome da razão e da liberdade. Mas tanto a infância quanto a Antigüidade despertam um interesse, um sentimento de respeito mesclado com nostalgia, porque têm aos olhos do adulto ou do homem moderno um caráter ingênuo, no qual se encontra representado o que a humanidade perdeu ao se afastar da natureza. Por isso, o autor recomenda ainda: "Mas se estás consolado da perda da felicidade da natureza, deixa que a perfeição desta sirva de modelo para o seu coração".20 20 SCHILLER. Poesia ingênua e sentimental, p. 54. É assim que ele introduz a sua consideração sobre os gregos, pensados como modelos de perfeição (ingênua) que devem acender "a chama do ideal". 2ff7e9595c
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